86 minutos

“Não quero levar a vida assim em que só se é feliz nas férias”. Esta expressão é da Marta de 15 anos e chegou-me através de uma colega. A mãe de uma adolescente que acompanhei em tempos escrevia também “cansada desta vida em que somos hamsters sempre à volta da rodinha… em que a rotina nos passa a estrangular os dias”. Poderiam estas ser também palavras de vários de nós? De facto, e pegando em números, ser feliz apenas 22 dias úteis por ano significaria reduzir a felicidade a cerca de 6,027%/ano, ou seja, ser feliz 4,82 anos numa vida de 80 anos. A uma escala menor, a janela de oportunidade da felicidade seria de 86 minutos/dia.

86 minutos.

Claro que nem toda a gente tem 22 dias de férias, ou vive 80 anos ou só é feliz nas férias. Mas o que estes números me põem a refletir é muito parecido ao que adolescentes e pais vão desabafando. No caso dos adultos, uma rotina acelerada por prazos e horários laborais, levar e trazer os filhos, preparar refeições, tratar da roupa, fazer viagens entre casa-trabalho, responder a emails e mensagens, ir ao supermercado, cuidar dos avós idosos, tratar da vida burocrática, fazer desporto, cultivar a vida social… no caso dos mais novos, um rol de trabalhos de casa, atividades extracurriculares, gerir amizades e amores e desamores, travar lutas com a imagem do espelho, atualizar redes sociais, ouvir a última música e ver a última série, etc. etc.. E em tudo isto a (auto)exigência de ser excelente e bem-sucedido, para “me sentir bem” e “ficar bem visto”. Um sem fim de tarefas levam as famílias à exaustão, ao desgaste da saúde física e mental e, consequentemente, ao mal-estar nas relações profissionais, sociais e afetivas. E quando estamos parados, parece surgir uma vozinha interior a lembrar-nos de tudo o que ainda temos para fazer ou acusando-nos de estarmos quietos.

86 minutos.

Como trazer as férias para dentro do ano? Ou seja, como aumentar o verdadeiro bem-estar durante os outros 343 dias. Vejamos o que podemos aprender com as férias. Normalmente, vive-se mais devagar. Observa-se mais demoradamente quando se visitam sítios novos. Parece que estamos mais presentes nas coisas que fazemos e às pessoas com quem estamos. Estamos menos a pensar no que ficou para trás e no que vem a seguir. Estamos ali. E por isso, porque mais ligados, sentimos maior bem-estar, estamos mais que mindful ou hearttful… estamos personful. Talvez isto nos seja útil para fazer aumentar os 86 minutos, pegando afinal no que já sabemos.  Parar e identificar as coisas que faço, como as faço. Identificar os ladrões de tempo (tempo que gastamos sem dar conta em coisas pouco úteis ou desnecessárias). Rever e escolher as tarefas/atividades/projetos/relações, atendendo àquilo que são os valores pessoais e o que elegemos como prioridades (sabendo que a nossa condição de humanos não nos permite responder a tudo nem a todos). Recorrer mais ao nosso olhar de viajante (aberto, que se deixa surpreender) e usá-lo também naquilo ou naqueles que já conhecemos – porque às vezes o que nos cansa é a quantidade de ideias pré-feitas acerca das coisas e das pessoas. Fazer mudanças na nossa vida dá trabalho e pede compaixão porque implica reconhecer os limites e as potencialidades do tempo e dos lugares, das capacidades e necessidades nossas e dos outros, de forma realista. Talvez as férias não tenham de ser apenas esses fugazes 22 dias mas sim a oportunidade de darmos conta daquilo que realmente nos faz falta, daquilo que acontece nesses 86 minutos e que queremos prolongar no nosso ano. Tal não acontece sem antes fazer esse difícil parto de escolher – largar coisas e formas de as fazer em prol de outras – com realismo, criatividade e compaixão, por nós e pelos outros.

Quantos minutos mais vai querer fazer nascer no seu novo ano?

Autores

Catarina Marcos

Psicóloga