Uma verdade que imagino que já tenham notado é que a vida é dura, difícil, cheia de dor e sofrimento. De facto, tudo o que torna a vida mais rica e com significado traz consigo um sofrimento inevitável. Esta é a realidade de um ser humano. Amar, em qualquer das suas formas, traz uma perda devastadora; lutar pelo que é importante para nós traz consigo o medo de falhar, de não ser suficiente… Não só o sofrimento é inerente à vida mas as próprias emoções humanas e os pensamentos a elas associados são experienciadas como negativas, difíceis e dolorosas.

Infelizmente, as notícias pioram antes de melhorarem. A mente humana evoluiu de tal forma que naturalmente cria e amplifica o sofrimento psicológico. Há cerca de 200 mil anos atrás a vida era extremamente perigosa. Para sobreviver neste ambiente de perigo iminente a mente evoluiu para ser uma máquina de proteção e resolução de problemas que não se desliga e que segue a lógica “é melhor prevenir que remediar”. Assim, a mente evoluiu para prever o futuro e alertar-nos de possíveis perigos; ruminar sobre o passado para aprendermos com as situações difíceis; julgar-nos para não voltarmos a cometer os mesmos erros; comparar-nos com os outros para cumprirmos as normas sociais e proteger-nos da rejeição e isolamento. No passado, quem nasceu com a sorte de ter uma mente capaz de funcionar desta forma sobreviveu durante mais tempo e, consequentemente, reproduziu-se mais. Naturalmente, ao longo do tempo, herdámos a mesma mente com as mesmas capacidades.

Não só a natureza da mente perpetua o sofrimento como pode trazê-lo instantaneamente em qualquer momento. Por exemplo, podemos estar tranquilamente a observar o mar e a nossa mente pode lembrar-nos de uma memória que nos faça ficar tristes, quer queiramos quer não.

Estão a identificar-se com este texto? É sinal que têm uma mente com um funcionamento típico, saudável e que está a fazer o trabalho que evoluiu para fazer – está a tentar ajudar. Não se passa nada de errado ou de defeituoso com a mente nem com vocês, independentemente do que vos possam ter dito (ou do que a mente vos esteja a dizer agora). Ora, isto não significa que tudo o que a mente faz é útil na nossa vida atual. Uma mente que não nos conseguisse fazer acreditar no que ela diz e a fazer o que ela acha melhor não era uma mente capaz de nos proteger. Este processo faz com que o que a mente nos diga pareça uma verdade absoluta, influenciando as nossas ações – ordens e regras impossíveis de não seguir; um futuro que nos parece que vai acontecer inevitavelmente; julgamentos sobre nós próprios que nos parecem inegáveis (mesmo que os outros digam o contrário). Tudo isto é natural mas não necessariamente útil. Por exemplo, a mente ver perigo num tigre, fazer-me sentir ansiedade e levar-me a fugir é extremamente útil. Porém, se a mente fizer o mesmo para uma apresentação oral ou entrevista de emprego, não é igualmente útil. Não só está a sobrestimar a existência de um perigo (“melhor prevenir que remediar”) como me está a levar a tomar uma ação que vai piorar a minha vida a longo prazo e trazer mais sofrimento.

Duro, não é? Agora vem a boa notícia. Nós não somos a nossa mente nem o que ela diz. Não temos que acreditar nela nem fazer o que ela manda. Podemos alterar a relação que temos com a nossa mente, começando a vê-la como um conselheiro que, por vezes, quer proteger-nos demasiado. Se aprendermos a olhar para ela e a ouvir o que ela diz podemos reaver a nossa liberdade de escolha, seguindo o que acharmos útil e deixando estar o que não acharmos útil, até que algo melhor apareça.

Se vos parece difícil é porque o é. Não nascemos prontos para fazer isto nem nos ensinam a fazê-lo.

Felizmente, há cada vez mais estratégias e intervenções psicoterapêuticas cujos estudos mostram eficácia para que possamos aprender a lidar com a mente de uma forma que a torne nossa aliada e não como algo de errado a apagar de dentro de nós.

Autores

Dinis Martins

Psicólogo