"Queridos Pais:

Sei que me desejaram muito desde o início. O vosso amor, carinho e felicidade é inexplicável após a minha chegada. Eu sinto esse amor imensurável, diariamente. Sinto como aplaudem as minhas conquistas. Como dão o vosso melhor para satisfazer as minhas necessidades. Recordo os dias em que comecei a sentar-me, a gatinhar, a andar, a falar, a usar o bacio… etapas muito relevantes e tão desejadas por vós. Desde cedo e de forma muito intensa – imaginei, fantasiei, pulei, brinquei, corri, contactei com a natureza… Depois apareceu o coronavírus – e foi exatamente nessa altura que eu entrei na “escola dos grandes” pela primeira vez. Vocês disseram-me que iria ser maravilhoso porque iria aprender a ler e escrever, a fazer contas e conhecer a história de Portugal. Eu fiquei entusiasmado, juro! Mas depois tive de aprender através de um computador, longe dos meus colegas, sem a minha professora e isso desregulou-me. Aquele brilho inicial foi se esbatendo. De repente, tenho de estar sentado, a ouvir a professora, a esforçar-me por estar atento durante um longo período de tempo e a fazer tarefas por mim próprio. No final do dia resta pouco tempo para brincar, parar e sentir. É tudo a correr, o relógio não para – o banho, o jantar, o adormecer… Ainda preciso do colo, da atenção, dos abraços, das conversas demoradas, dos beijos repenicados, dos jogos, das brincadeiras e da magia nos parques infantis. Sinto-vos um pouco desiludidos comigo, em certos momentos. Sei que sentem que perdi matéria, que sou mais lento a aprender e que tudo isto pode prejudicar o meu desempenho escolar e resultar em notas mais baixas. Vocês podem pensar e sentir tudo isto. Está tudo bem se discordarem de mim ou se ficarem tristes pelos meus comportamentos, atitudes ou insucessos. A educação e o amor são assim, sem poções mágicas ou fórmulas químicas. E vocês têm razão, porque aprender a ler e a escrever, ter boas notas e ser bem-sucedido é muito importante. Mas eu também preciso de expressar as minhas emoções, ser bondoso, respeitar o outro, ser criativo, ser amigo, gastar energia, ser resiliente, resolver problemas, construir a minha autonomia e ser solidário, porque são valores essenciais que me vão permitir brilhar ainda mais no meu futuro. Desta forma, peço-vos com muito carinho, que me dêem tempo, sejam pacientes, confiem em mim, porque vou aprender ao meu ritmo… Que respeitem a minha individualidade e não me comparem com ninguém, porque cada um de nós é único e especial. Elogiem-me o quanto puderem porque eu sou bom em muitas outras coisas e não só na escola. Façam uma pausa, observem-me e escutem-me. Amo-vos ontem, hoje e amanhã”.

 

 

Autores

Carolina Neves

Psicóloga Educacional

Elsa Baptista

Psicóloga