A Pandemia mostrou ser uma sala de aulas de cidadania e arte de viver. Por um lado, ficou claro que ninguém vive sozinho. O meu comportamento e o teu comportamento contam para ti e para mim. Percebemos, na prática, o que significa a frase batida ” temos que ser uns para os outros”. Redescobrimos o sentido de comunidade, de bairro e de ajuda ao próximo. Isso pode ser precioso num mundo onde o COVID teima em não nos deixar descansados, e em que a nossa vida e a dos nossos descendentes enfrenta desafios sem precedentes, com o aquecimento global e a nova ordem mundial mais fragmentada e tensa.

Psicologicamente estamos exaustos. Nos últimos anos a afluência aos serviços de psicologia teve um aumento exponencial. Fomos confrontados com o agravamento de problemas psicológicos que já existiam e com o surgimento de problemas psicológicos resultantes da pandemia. Aumentaram as perturbações do foro ansioso, as perturbações obsessivo-compulsivas, as perturbações depressivas, burnout e perturbações de stress traumático. A maioria, filhas dos problemas sócio-emocionais como rupturas relacionais, violência doméstica, desemprego, alterações profundas nas relações laborais ou isolamento social. Nas crianças e nos adolescentes acresceram ainda, problemas de aprendizagem e dificuldades de atenção-concentração.

Sim, estamos exaustos, mas hoje sabemos melhor do que no início de 2020 como agir. Podemos perceber o quanto é importante os pequenos gestos e as pequenas rotinas como passear ao ar livre, beber um café e conviver com amigos. Percebemos a importância das liberdades individuais e de nos podermos reunir em prol de algo maior. Com isso podemos dar um passo sólido em direção ao ser em vez do ter, viver mais, consumir menos. Percebemos como uma educação e saúde públicas são a grande salvaguarda de uma sociedade evoluída em períodos de calamidade.

 De acordo com o Paul Gilbert, psicólogo e investigador na área da psicologia clínica e nos estudos sobre a compaixão, hoje percebemos que, podemos ter melhores medicamentos, carros mais rápidos, fazer compras 24 horas por dia, mas no final do dia, a nossa felicidade e a nossa capacidade de viver em paz uns com os outros vai depender da psicologia interpessoal. A psicologia é hoje uma das ciências mais importantes para a humanidade, e está a progredir rapidamente. As pessoas estão a começar a interessar-se pela forma como lidamos com os graves problemas inerentes ao cérebro humano evoluído. Segundo Gilbert “(O Cérebro) É muito mal montado, uma peça horrível cheia de compensações, falhas e ciclos de feedback que andam por todo o lado. Mas é também a raiz das soluções para os problemas que temos no mundo – político, social, económico”.

Do ponto de vista psicológico, precisamos de nos manter perto uns dos outros, solidários e suportivos, de não deixar morrer as correntes de solidariedade criadas espontaneamente com a pandemia. Urge transformar urbanizações em bairros e os bairros sociais em bairros das pessoas. Intervir de forma proximal e precoce nos problemas psicológicos filhos da pandemia, com serviços e intervenções psicológicas que facilitem a empatia e promovam a resiliência e o coping face ao sofrimento psicológico. Precisamos de recuperar os recreios, manter as praças e viver as ruas. De garantir que as redes sociais nos tornam mais próximos e protegidos do isolamento social. É urgente o tempo para parar e pensar sobre o que verdadeiramente conta numa vida que, sem propósito é apenas absurda.

Estes tempos de excepção colocam-nos num cruzamento onde de um lado temos o risco de que o futuro seja uma versão recauchutada dum normal já esgotado, rodeado de zombbies automatizados, e do outro teremos a oportunidade de nascer de novo, mais fortes, mais conscientes e mais determinados em fazer com que o mundo pós pandemia possa voltar a ser aquilo que nunca foi: sustentável, sociável, amável, criativo e solidário.

Dia 1 de Janeiro de 2022 é o primeiro dia do resto das nossas vidas… aproveitem!

Autores

Luis Marques

Psicólogo Clínico