Toda a gente tem PHDA e se calhar nós também

Toda a gente tem PHDA e se calhar nós também

 

É verdade, outro artigo na internet sobre Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA) no adulto. Imagino que também vos tem sido difícil escapar à PHDA, quer seja nas redes sociais, na comunicação social ou até mesmo nos vossos círculos pessoais. Não vos vou maçar com repetições de definições ou sintomas, mas antes passar rápido para o que vos quero transmitir que, como ouvimos de vez em quando, “hoje em dia toda a gente tem PHDA”.

A PHDA é malandra e começa a enganar-nos logo no seu nome.

Primeiro, com a palavra “défice”, já que não existem estudos que comprovam qualquer ausência ou insuficiência na atenção. Existe sim, uma dificuldade na capacidade de regulação e utilização da atenção. De forma simplificada, um cérebro com PHDA não consegue escolher quando e de que forma utiliza a atenção que possui. A atenção só “liga” se a tarefa for suficientemente nova, interessante e desafiante (ou se o prazo for amanhã). Se for aborrecido, o interruptor da atenção não liga, por muito que a pessoa queira (a não ser que o prazo seja amanhã).

Imaginem que têm um jarro cheio de água, mas nunca conseguem deitar água no copo que querem ou quando querem, independentemente da sede que têm, da água que tem o jarro, das vezes em que já vos disseram para deitar água no copo ou da vossa capacidade de deitar água, o jarro acaba sempre por deitar água onde quer e quando quer. Frustrante não acham? Esta analogia resume, simplisticamente, como é a vida de uma pessoa com PHDA.

Em segundo lugar, a PHDA engana-nos com a palavra “perturbação”, já que muitos autores não a consideram como tal. Consideram antes como uma série de características específicas que se podem tornar numa vantagem distinta ou numa maldição permanente, dependendo do contexto em que a pessoa está inserida e da forma como a pessoa aprendeu a se relacionar e lidar com estas mesmas características. Sendo assim, a PHDA não é uma categoria à qual pertencemos ou não, já que essas mesmas características estão presentes, de uma forma ou de outra, em toda a população. Ora, este facto explica o porquê de ser tão fácil identificarmo-nos com a PHDA.

Mas então, se estas características estão presentes em todos nós, quando é que faz sentido dar o nome de PHDA ao funcionamento da pessoa e procurar ajuda? – perguntam vós, e bem.  É relevante procurar ajuda quando a forma como estas características se manifestam causa interferência nos contextos de vida do indivíduo. Ou seja, é normal distrair-me no trabalho, principalmente quando a tarefa é mais aborrecida, mas se me distraio ao ponto de não conseguir terminar a tarefa e ter repercussões por isso, então fará sentido pensar em PHDA e procurar ajuda. Este exemplo isolado não justificará o diagnóstico, já que a interferência tem de estar presente em vários contextos, de forma sistemática e não ser melhor explicada por outro fenómeno como, por exemplo, ansiedade.

Nunca nada substituirá a avaliação por um profissional de saúde mental mas para tal é necessário sabermos identificar algumas destas características em nós para podermos procurar ajuda. Para ajudar nesta identificação, seguem-se alguns sinais tipicamente característicos de uma pessoa diagnosticada com PHDA que podem ajudar a perceber se fará ou não sentido procurar confirmação e ajuda clínica.

 

Conquistas aquém das competências sem explicação óbvia aparente. A pessoa não está a ter os ganhos esperados com base nas suas competências e capacidade intelectual, não existindo uma explicação clara para o desempenho estar aquém do esperado. Muitas vezes está associado a um sentimento de estar aquém do seu potencial, de ser capaz de mais e de melhor.

Uma mente que divaga (mais do que é comum e com interferência). Levando a comentários frequentes por parte de outras pessoas quanto à dificuldade em se concentrar e se manter numa tarefa, a ter um desempenho inconsistente, entre outros. Frequentemente, podem ouvir comentários sobre não serem disciplinados e que deviam tentar prestar mais atenção.

Dificuldade na organização e planeamento. Quer seja no trabalho ou na vida pessoal, na casa ou no carro. A vida e as coisas parecem estar em frequente desordem. É comum haver dificuldade em planear e cumprir as metas que estabelecem para si mesmos ou em cumprir compromissos.

Elevado grau de criatividade e imaginação. Provavelmente foi uma pessoa com PHDA que originou a expressão “pensar fora da caixa”. Infelizmente podem ser abafadas por experiências repetidas de crítica, falta de reforço externo e repetidas deceções, frustrações e fracassos.

Dificuldade na gestão de tempo e uma tendência para procrastinar. Muito associadas à diferente perceção de tempo, por vezes descrita como “miopia temporal”. Quanto mais longínquo é em termos temporais mais difícil é de ter uma perceção adequada do tempo. A procrastinação associa-se também com a perceção automática de ausência de interesse, novidade, desafio e importância da tarefa em questão. Longínquo, aborrecido e difícil = procrastinar.

Generosidade. Maior tendência para a empatia, generosidade, otimismo e entusiasmo. Frequentemente tendem a rejeitar ajuda por parte dos outros, mas são os primeiros a oferecê-la, muitas vezes independentemente do custo para o próprio. Conseguem ser pessoas extremamente carismáticas, engraçadas e bondosas, por muito que elas próprias achem o oposto.

Agitação e Sonhar acordado. A agitação ou hiperatividade tende a ser interiorizada e menos visível ao longo do desenvolvimento, mostrando-se residualmente e exteriormente na idade adulta com pequenos movimentos e ações, como o abanar constante da perna, roer das unhas ou mexer da caneta… A hiperatividade tende a estar mais presente na infância e no sexo masculino, facto que leva a muitas mulheres não serem diagnosticadas. Porém, a hiperatividade existe em ambos os sexos, sendo somente manifestada de forma diferente.

Sentido de humor único e perspicaz. Tipicamente “na ponta da língua”, peculiar, excêntrico, mas também sofisticado. Muitos comediantes e escritores de comédia têm PHDA.

Elevada sensibilidade à critica e rejeição. Um comentário negativo pode despoletar uma espiral de pensamentos e sensações difíceis e intensas relacionados com a rejeição. Serem pessoas tipicamente mais sensíveis associado a experienciarem elevados níveis de crítica nos diferentes contextos ao longo do seu desenvolvimento, origina uma “tempestade perfeita”.

Impulsividade e impaciência. Geralmente não ponderam sobre decisões, não antecipam consequências e têm dificuldade em adiar a gratificação. Muito associadas à “miopia temporal” e aborrecimento.

Suscetibilidade a adições e comportamentos compulsivos variados. De drogas ao jogo, compras, sexo, comida, exercício, entre outros. As pessoas com PHDA têm 5 a 10 vezes mais probabilidade de ter um problema nesta área. Várias características subjazem esta vulnerabilidade, como a impulsividade e busca por interesse e novidade. Alguns autores argumentam que os comportamentos aditivos podem também aparecer como uma tentativa não propositada de automedicação.

Baixa autoestima/Visão negativa de si. Preguiçoso/a, indisciplinado/a, agressivo/a, bruto/a, burro/a, esquecido/a, desastrado/a, exagerado/a, dramático/a, mau/má e, talvez o mais comum, não suficiente… Fruto das experiências adversas pelas quais passaram, são muitos os rótulos que uma pessoa com PHDA tem para si, principalmente se a condição não tiver sido diagnosticada na infância.

Estas são somente algumas das características, não sendo uma lista exaustiva. A PHDA pode manifestar-se de forma muito variada, dependendo das características mais salientes, do contexto atual e das experiências precoces. O contexto que nos rodeia, a nossa relação com estas características e as formas que temos de lidar com os custos a elas associados são os fatores que influenciam o impacto, positivo ou negativo, que a PHDA pode ter na nossa vida. Não é nem tem de ser uma maldição permanente.

Se se identificaram com a maior parte das características acima descritas e/ou se estas estão a interferir no que é importante para vocês, talvez faça sentido procurarem um técnico de saúde mental para poderem avaliar em conjunto o vosso caso em específico.

Mas deixem-me que vos diga, se chegaram ao fim do texto e leram tudo, a probabilidade já diminuiu. Ufa… Ou se calhar acharam interessante.

Coragem e boa sorte! Se precisarem estou aqui: dinisrsmartins@gmail.com

Autores

Dinis Martins

Psicólogo