Ursos lá fora e ursos cá dentro

Todos nós já experienciámos pensamentos, emoções, sensações e reações difíceis quando confrontados com situações perigosas ou desafiantes. Muitas vezes, acabamos a julgar essas mesmas experiências como sinais de fraqueza, defeito ou loucura. Na verdade, todas elas são formas completamente naturais da mente, do cérebro e do corpo nos manterem seguros e nos protegerem do perigo.

Para tal, temos sistemas desenhados especificamente para cumprirem essa importante tarefa. Ora, imaginem a seguinte situação:

Estão a dar um passeio por uma floresta e encontram um urso que está a cuidar dos seus filhotes. O urso, achando que são uma ameaça, prepara-se para lutar e começa a correr na vossa direção. Se quiserem sobreviver têm duas hipóteses: lutar ou fugir. Automaticamente o sistema nervoso avalia a situação e, antes de sequer aparecerem pensamentos, todos os músculos dos braços, pernas, peito e pescoço ficam tensos e prontos para a ação, o corpo é inundado de adrenalina e o coração e a respiração aceleram para bombear sangue para os músculos. Imagino que já se tenham sentido assim. Estas alterações psicofisiológicas servem para nos prepararem para a ação que teremos de adotar: lutar ou fugir.

Além da luta e da fuga ainda temos outra resposta automática face a certas situações de perigo. Uma vez que lutar contra um urso não é uma boa opção, o que acontece se não conseguirmos fugir e formos apanhados? A única forma de sobreviver ao ataque é ficarmos o mais quietos e silenciosos possível, para que talvez o urso possa deixar de sentir que somos uma ameaça e vá embora. Nada disto era possível se não ativássemos o modo de shutdown ou freeze, onde o que chamamos de nervo vago nos imobiliza, paralisando os nossos músculos e desligando os nossos sentimentos e sensações para não gritarmos ou lutarmos (um pouco sombrio, eu sei).

Porém, estas respostas estão desenhadas para serem de curta duração, durando apenas o suficiente para nos protegerem do perigo. Atualmente, muito devido ao contexto e cultura em que vivemos, o nosso sistema nervoso tem dificuldade em desligar e em sentir-se seguro, levando-nos a ficar “presos” nestas respostas. No modo de luta perdemos facilmente a paciência, reagimos impulsivamente e ficamos tensos e com dores musculares. Quando nos preocupamos frequentemente, ficamos ansiosos, transpiramos, trememos ou não dormimos, é o modo de fuga a fazer horas extra. Quando sentimos entorpecimento, apatia, desespero e falta de energia e concentração, é o nosso sistema nervoso em modo de shutdown – queremos simplesmente deitar-nos e desistir.

Tipicamente ficamos “presos” nestas respostas por diversos motivos. Por exemplo, como consequência de experienciarmos situações e eventos traumáticos ou quando as nossas estratégias para lidar com uma situação-problema não estão a funcionar ou estão a piorar a situação, criando um ciclo sem fim. Ainda fica mais complexo quando pensamos que o perigo (os “ursos”) podem ser fenómenos internos como pensamentos, imagens, memórias, sensações e sentimentos. Quando o perigo é interno, não é possível lutar ou fugir, apesar de tentarmos ao nos criticarmos e julgarmos (luta) ou ao nos distrairmos e adormecermos (fuga). Em último caso desconectamo-nos dos nossos pensamentos e do nosso corpo por completo (shutdown). Claro que todas estas estratégias só mantém o nosso sistema nervoso em modo sobrevivência, levando a outro ciclo vicioso de sofrimento.

Então e agora?

Sorte a nossa, o sistema nervoso tem outro modo que é ativado quando não estamos sob ameaça, o modo “partilhar/cuidar”. Chamámos-lhe assim porque nos permite sermos amorosos, atenciosos e cuidadosos, a compartilhar, conectar e cuidar dos outros, levando a experienciarmos sentimentos de calor, calma, contentamento e segurança. Muitas vezes é nomeado de estado de “descanso e digestão”, onde abrandamos e relaxamos (e tipicamente sentimo-lo a ligar na moleza depois de almoço, não é?).

Para nos ajudarmos a sair destes estados em que ficamos “presos”, precisamos de ativar o modo “partilhar/cuidar”, para que o nosso sistema nervoso possa percecionar segurança e ligação.

Podemos fazer isto alterando a forma como vemos e reagimos aos nossos próprios pensamentos, sensações, sentimentos e comportamentos, adotando uma postura de maior aceitação, compreensão e compaixão por nós mesmos, de forma a quebrar o ciclo de ameaça. Ao fim ao cabo, se nos estamos a atacar (se estamos internamente a ser o urso) não nos vamos sentir seguros, não é? Vamos lutar, fugir ou desligar ainda mais.

Podemos também reforçar as nossas atividades de ligação e conexão com os outros, já que estamos desenhados para nos sentirmo-nos seguros em relação (a não ser que algo nos ensine o contrário). Partilhar, rir, dançar, abraçar, brincar, beijar são atividades que suportam o modo “partilhar/cuidar”.

Além disso, podemos fazer exercício físico, manter uma alimentação saudável, meditar, fazer yoga, passear na natureza, tomar um banho quente, etc.

Naturalmente, quando estamos “presos” é bastante difícil adotar as sugestões de que vos falo. O sistema nervoso tem o hábito de resistir à mudança, mesmo que essa seja para melhor, então este processo não é fácil e requer algum trabalho.

A boa noticia é que não estão sozinhos. A psicoterapia dá a cada pessoa a oportunidade de se sentir vista, ouvida e compreendida. É um espaço onde pode partilhar emoções e experiências difíceis sem julgamento e começar a sentir como é estar no modo “partilhar/cuidar”. Depois de estarmos “presos” durante muito tempo o modo “partilhar/cuidar” pode até parecer assustador ao início, mas acreditem em mim, depois de o experimentarem, não vão querer outra coisa.

Autores

Dinis Martins

Psicólogo